Cantinho do Leitor #17: Trem

Aquele foi um daqueles amores platônicos e passageiros. Aqueles que só acontecem com quem pega um ônibus cheio ou que espera o ultimo dia para comprar o ingresso do cinema. Onde só os olhos sorriem e os sorrisos brilham. 
O caso começou dentro do trem. Era um sábado comum e os trens ficam vazios em sábados comuns. Ela estava sentada em seu lugar fisicamente, sua mente vagava entre o lanche que queria comer e a serie que precisava colocar em dia. Os ouvidos dorminhocos não se preocupavam com os sons a sua volta. Ela só queria voltar para casa.
No entanto, entre ambulantes anunciando balas e chicletes e pessoas cinzas, sem cor a sua volta, ela viu um amarelo brilhante. Se apaixonou primeiro pela capa do livro. Sua paixão literária fora despertada, ela conhecia a sensação. O coração pulsava e os sentidos estavam atentos. Conhecia de cor a capa beje de tecido decorado, pela lombada identificou a edição de colecionador da Abril, arrepiou. Sabia que era especial pois tinha um exemplar idêntico em casa e aquele fora difícil conseguir. Apreciou o nome da sua autora preferida bordado á mão com olhos de sonhadora, Jane Austen. Se permitiu apreciar as mãos que seguravam Orgulho e Preconceito, sentiu um pulo no coração. As mãos grandes eram um contraste com a pequenez e delicadeza de Jane. Não quis ver o rosto rapidamente, O leria como se lê as obras de Austen, com respeito e muita admiração, e as vezes aquela pontadinha de prazer no coração.  
Os braços que sustentavam as mãos eram musculosos e indicavam academia, mas não muita, talvez só duas vezes por semana. Involuntariamente quis ser envolvida por aqueles braços. Não quis afastar o pensamento e continuou sua leitura. Ele usava uma blusa sem marca sobre o tronco largo, blusa preta. Ela não gostava muito de camisas pretas, preferia uma vida colorida, mas podia perdoa-lo se ele prometesse levar o livro para a casa dela. Uma barba mal feita no rosto, perdeu-se em paixão.

Curiosa e já entregue todo o seu Orgulho, deteve-se na boca. Ele era um leitor desatento. Ela sabia. Só lia daquele jeito quando não conseguia se concentrar nas palavras. Ela acompanhava a leitura pelos lábios dele. Os lábios dele. O aparelho ortodôntico parecia servir para acrescentar mais charme ao que já considerava perfeito.
Estava quase chegando a sua parte favorita da história.O trem seguia sua rotina de altos e baixos sem saber que dali a dois segundos dois amantes iriam se rebelar. 
Ele lia como se fizesse uma prece. Ou um feitiço. 
Estava hipnotizada por suas palavras. Pelas palavras de Jane escritas ha quase 200 anos atrás. Sussurradas do outro lado do trem. Não o ouvia mas seguia seus lábios com os olhos. Os lábios dele. 

" E talvez menos de um mês depois de conhecê-lo estava convencida que o senhor seria o ultimo homem no mundo com quem eu me casaria!"

Elisabeth sabia ser cruel. Sorriu, esperando o dialogo continuar. Mas então... Seu leitor/ livro sorria. E ela não pode deixar de sorrir junto. Aquela era a sensação de ler Jane, por isso não podia culpa-lo. 
Esperou até que a leitura continuasse mas ela não aconteceu. Ela continuava olhando para seus lábios. Os lábios dele, e eles continuavam sorrindo. Ousou olhar mais um pouco para cima e um par de olhos castanhos a observavam divertida e sensualmente. 
Pega no pulo do gato. Pensou em virar os olhos e fingir que aquilo nunca aconteceu, mas sorriu e confessou seu amor silenciosamente. 
Sua estação era a próxima então que deixassem a timidez de lado. Aquele era Darcy, ela Elisabeth. não havia como aquela fórmula dar errado. Mas apenas os olhos diziam. Imaginou que ele fosse dizer algo, mas sua estação chegou ela deixou um os lábios dele sorrindo desapontados e toda vez que vê a capa beje de tecido bordado seu rosto fica vermelho e ela sente uma vontade enorme de pegar um trem.

2 comentários:

  1. Que texto maravilhoso Gabriela! Descreveu completamente a sensação de se apaixonar por um livro, a empatia e todas as sensações que sentimentos quando estamos diante de uma leitura. Vc citou a Jane Austen, uma das minhas autoras favoritas! Desde que lli Orgulho e Preconceito quebreu diversos tabus.

    https://facesemlivros.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  2. Olá, tudo bem?

    Vim conhecer o seu blog porque também o meu também selecionado como parceiro da Editora Rocco É incrível, não? Adorei o post =]

    Cintia,
    www.elefantevoador.com

    ResponderExcluir

Deixe aqui seu comentário, ele fará o autor do post se sentir feliz e correspondido e mais próximo de você que leu até aqui, obrigada e lembre-se: literatura é arte que empodera e liberta! @bardaliterária.

@bardaliterária