A Rosa de Versalhes e os papéis de gênero


Nome(s) Alternativo(s): Versailles no Bara | ベルサイユのばら
Status: Ativo
Autor: Riyoko Ikeda
Categoria(s):  Shoujo, Romance Histórico
Skoob: Adicione
Ano de lançamento: 2017


 Sinopse: Primavera de 1770.
Maria Antonieta, da Família Habsburgo da Áustria tornou-se a delfina da França com apenas 14 anos ao entrar para a Família Bourbon. Oscar François de Jarjayes, capitã da Guarda Real, foi escolhida para realizar a escolta da jovem delfina. Apesar de ser a filha caçula de uma casa de generais e dona de uma beleza exuberante, foi criada como um homem para ser a sucessora da Família Jarjayes, recebendo educação militar desde cedo.Apesar de viver na corte, Maria Antonieta sentia uma grande solidão por estar em um país estrangeiro. Desejando esquecer esse sentimento, a delfina participa de um baile de máscaras realizado na casa de ópera. E nesse dia, ela conhece o jovem nobre sueco Hans Fersen e se apaixona perdidamente por ele.Esta é a noite que uniu o destino destes três jovens de 18 anos.



   Quando a JBC anunciou a publicação de A Rosa de Versalhes no Brasil, todo o fandom de shoujo mangá ficou em polvorosa, era não só um dos mais importantes quadrinhos da demografia, mas também uma obra que modificou para sempre o mundo dos mangás. Mas afinal, o que há de tão importante em Rosa de Versalhes e em sua autora, Riyoko Ikeda?

   Para entender a importância da obra criada por Ikeda, precisamos voltar aos primórdios do shoujo mangá. O shoujo é uma demografia de mangás voltada para o público feminino. No seu início, saia em revistas de moda e comportamento femininas, lotadas de uma cartilha sobre como uma jovem deveria agir e se portar. Os mangás dessas revistas seguiam esse tom didático e eram escritos, em sua maioria, por homens. Tudo iria mudar com o surgimento das autoras Moto Hagio, Yumiko Ōshima, Keiko Takemiya. Toshie Kihara, Ryoko Yamagishi, Minori Kimura, Riyoko Ikeda, Nanae Sasaya e Mineko Yamada, conhecidas popularmente como o Fabuloso grupo de 24. Todas essas mulheres eram amigas, mangakas e nascidas na década de 40. As Fabulosas ressignificaram o shoujo mangá, agora feito de mulheres para mulheres, trazendo para as obras discussões sobre sexualidade e papéis de gênero. Foi nas mãos dessas mulheres que o mangás sobre relacionamentos homoafetivos (BL, Yuri) surgiram, e foi na mão de Riyoko Ikeda que o mangá histórico, e o papel da heroína nos quadrinhos, mudou.

    A Rosa de Versalhes é uma obra que mistura história e ficção, retratando desde a chegada de Maria Antonieta à França até o derradeiro fim da monarquia com a Revolução Francesa. O caráter revolucionário da obra vem na figura de Lady Oscar, uma mulher criada como homem e que serve como general das tropas francesas. O gender bender não era uma novidade no shoujo mangá, sendo o primeiro shoujo, A Princesa e o Cavaleiro, uma obra dessa categoria. Riyoko inova ao trazer em Oscar tudo o que as mulheres almejavam: a libertação dos estereótipos passivos e negativos do sexo feminino. Por viver na corte como um homem, Oscar tem a liberdade que nenhuma outra mulher tem; enquanto as outras são obrigadas a se renderam ao casamento e a tirania patriarcal, Oscar é livre para treinar, cavalgar e se divertir. Oscar é uma mulher apaixonada, corajosa, valente, não tem o menor problema para se impor, não tem receios de seguir seus ideais revolucionários e marchar em frente às tropas, todas as características almejadas aos heróis masculinos, mas Oscar é um mulher. E nunca esconde ou omite esse fato. Oscar ama como mulher, sofre como mulher, deseja como mulher, mas tem que viver como homem, o que a traz dor e sofrimento por diversas vezes. Por abrir mão de uma parte de sua existência, Oscar ganha liberdade. Oscar sofre com o preconceito de seus subordinados que não aceitam serem subordinados a uma mulher, constantemente é subestimada por conta de seu gênero. Oscar não liga ou abaixa a cabeça, seguindo livre e forte ao lado de seus companheiros, em especial André, seu fiel amigo e posteriormente amante. Enquanto nas obras literárias de toda a época, mulheres que agiam como Oscar eram vistas como mesquinhas, bruxas, vilãs, indesejadas, em A Rosa de Versalhes Oscar traz à tona tudo o que as mulheres são obrigadas a podar de sua personalidade.


   Os papéis de gênero também se mostram bem delimitados em todo o mangá. Rosalie é tudo aquilo que uma mulher deve ser: bondosa, prendada, submissa, e sua ruína e alegria provém destas características. Jeanne é uma mulher extremamente inteligente e decidida, mas vista como vilã justamente por conta de suas atitudes maquiavélicas, nenhum pouco desejadas numa mulher. Enquanto a população titubeia quanto ao ódio pelo rei e a família real, nenhum dos três estados tem dúvidas quanto ao que sentem por Maria Antonieta. Antonieta é odiada, principalmente, por ser uma mulher em papel de poder. Antonieta é extremamente bela e feminina, e é isso que a destrói. As atitudes tomadas por Maria Antonieta em nenhum momento são perdoadas, é por sua inocência que se deixa levar pelos caprichos e luxos da corte, ela não vê problemas em gastar o dinheiro dos impostos em vestidos, bailes, apostas, mas o que ela faz, milhares de nobres fazem e apoiam. Por que então Antonieta é vista como o grande mal a ser combatido? Maria Antonieta é acusada de lesbianismo, libertinagem, manipulação, bruxaria, o fato de ser austríaca a leva a ser alvo de acusações xenofóbicas, Antonieta leva em seus ombros a cruz de destruir a França e só o tempo foi capaz de lhe fazer justiça, apesar de até hoje ser vista de maneira negativa. Longe de justificar os erros da rainha e da monarquia francesa, mas ela nunca foi o monstro insensível pintado. Mesmo a famosa frase atribuída a Antonieta, “se eles não tem pão que comam brioches”, jamais foi dita por ela. Riyoko não teme em mostrar todas as facetas negativas ligadas a feminilidade, cada mulher que pena e sofre por sua condição como mulher tem um contraponto em Oscar. Oscar é amada, até amorosamente, por todas as mulheres da Corte, justamente ter o que elas sonham: liberdade. Yuko Matsumoto, em seu ensaio no volume 4, aponta que quando as mulheres choram pela morte Oscar, elas choram por ver a morte de seu ego na forma de “feminilidade”. Não há escapatória ao se nascer mulher. Toda a sua existência é subordinada ao que se espera do papel feminino, a qualquer passo fora dessa linha você será lembrada disso.

   Após A Rosa de Versalhes nada foi o mesmo. A obra influenciou profundamente a sociedade japonesa e todas as obras que seriam escritas. Foi graças a Oscar que mangás como Sailor Moon e Sakura existiram. Ao propor uma nova forma de heroína, Riyoko Ikeda marcou a história dos quadrinhos.







7 comentários:

  1. Que incrível seu conteúdo muito me atraí, e o formato é bem diferente do que tenho lido, adorei suas considerações sobre a leitura e já adicionei aqui para ler em breve!

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  2. Olá, tudo bem? Não conhecia esta obra ainda, mas fiquei bem curiosa, principalmente por ela ter tamanha importância. Adorei a resenha e dica!

    Beijos,
    Duas Livreiras

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  3. Oi, é a primeira vez que leio algo sobre A Rosa de Versalhes, não conhecia e gostei bastante, é difícil um mangá chamar minha atenção, mas tenho que confessar que esse foi direto no ponto, quero muito ter a oportunidade de ler, parabéns pela ótima resenha.

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  4. Oie Bia!!

    Eu não conhecia a obra e nem sabia de toda essa história por trás do gênero estou sinceramente boquiaberto, as vezes eu leio um ou outro mangá, mas, nunca para para procurar mais a fundo sobre as histórias e autores e gostei muito de conhecer um pouco mais com seu post!!

    Beijos!
    Eita Já Li

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  5. Opa, tudo bem por aí?

    Não conhecia a obra. Deve ser pelo fato de eu não ter o costume de ler mangás, mas achei bem interessante depois de ler sua resenha. Acho que, principalmente, por misturar história e ficção... Sua resenha ficou maravilhosa e super completa, viu? Adorei!

    Abraços!
    www.acampamentodaleitura.com

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  6. Oi, tudo bem?
    Eu não leio mangás, então, não conhecia esse. Mas achei muito interessante a forma como você contextualizou a sua resenha e explicou o impacto que esse mangá teve na cultura japonesa e como mudou os mangás daí pra frente. Achei a premissa desse muito legal, ainda mais por misturar fatos históricos (de um período tão conturbado e interessante) com ficção. Infelizmente eu não consigo ler mangás ou HQs, são leituras que não funcionam para mim, mas para quem curte parece ser uma ótima opção. Adorei sua resenha!
    Beijos!

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  7. Que capa linda e a edição parece estar impecável, eu ainda não conhecia essa obra e já fiquei muito interessada em ler também

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