A ARTE DE SER MULHER
Entraste em mim como uma nódoa, como uma epidemia te alastraste
por todo o meu território e não reclamei.
E fui te amassando como um bolo.
Deixei-me usar porque sou assim:
uma eterna esperança num coração tolo.
Fizeste festa em meu peito vazio, enfim, aceitei as evidências.
Eu precisava de ti como o oxigênio
que o planeta indiferente aspira o quanto quer.
Deixei-me subjulgar porque sou assim:
uma criança com invólucro de mulher.
Chegaste pé ante pé como uma marido infiel.
Bailaste no salão de minha alma
curiosa de vida e pedindo bis
deixei-me ter porque continuo sendo assim:
uma mulher com sonhos infantis.
Agora, vai, deixa-me fugir de ti/de todos/de mim
quero apenas me aquietar em meu corpo tão cansado. Adeus, passado!
Fiques no baú. Quieto e confinado.Usar-te-ei para não pisar em outro terreno minado, porque eu sou assim:
um ser que ama sem se preocupar em ser amado.
Não consigo entender coisa nenhuma, às vezes, coisa qualquer.
A única coisa que não aceito como alcunha
é que me digam que abuso da arte de ser mulher,
pois é, vou ser sempre assim:
onde estiver, caberei sempre no lugar que eu quiser.
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A PORTA-BANDEIRA
Mão na cintura.
Os passos, alterna com soltura.
Desliza os pés com beleza.
Balança os quadris com leveza,
deixa o corpo agir
como se fosse morrer na próxima esquina
e a nádega confirma o requebro,
enquanto empina.
Segura um mastro com um pano e símbolo.
É a imagem de sua tribo.
Sente a multidão.
Sorrisos em profusão,
mesmo sem dentes,
os rostos estão contentes.
Do jeito que ela gosta, sempre disposta
e vivendo plenamente.
Quarta cinza tudo volta ao normal.
Salário sem fim de mês, mas não faz mal.
Quem chora é a cuíca, que repica
de alegria.
Esquece a periferia.
Hoje é área nobre. Sofrer é lixo podre.
Faz mesuras com graça. Amanhã passa.
Amanhã é hoje que não veio.
Curte seu sonho de samba com recheio.
Amanhã é operária.
Hoje quer aplausos,
mesmo falsos.
Hoje é só mulher,
forte e firme como outra qualquer.
Amanhã mais um pária
que sobe a favela.
Hoje é bela! Amanhã, a fera.
Carnaval, quando ele chega, nada é mais normal
que feliz ritual!
Madeira que um País pariu.
Terra Brasil.
Porta a bandeira
defendendo uma comunidade inteira.
Importa sua situação financeira?
Tem muito orgulho de ser brasileira.
FIM
Sobre a Autora:
EDILEUZA B. L. LONGO ou EDIH LONGO, é Linguista e Prof.ª de Língua Portuguesa, formada pela USP/SP. Tem também formação teatral e faz parte do Grupo "Arte in Cena" do Clube Paineiras do Morumbi. Além de atriz, é poeta, contista, cronista, romancista e dramaturga. Ganhou prêmios nas modalidades. Atualmente aposentada, dedica-se a adolescentes carentes, ministrando-lhes aulas de Teatro.
Facebook: www.facebook.com/edih.longo
Insta: @45edih_longo_46
(Texto selecionado para o Projeto Leitura Feminista, iniciado 2019, em parceria com o blog Barda Literária que este ano, no mês de março, apoiará poetisas)
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