Nome: 50 Poemas de Revolta
Autor (a): Vários Autores
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2017
Páginas: 144
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Sinopse: De Mário de Andrade a Adelaide Ivánova, a antologia reúne poemas brasileiros clássicos e contemporâneos que denunciam, cada um a seu modo, os tempos sombrios em que vivemos. Nesta breve antologia, o leitor vai encontrar muitos motivos para se indignar. Desigualdade social, racismo, machismo, incontáveis modalidades de opressão e intolerância: quase tudo talvez se resuma à incapacidade — ou seria falta de vontade? — de enxergar o outro. Os poemas que compõem esta seleta por vezes revelam uma ponta de esperança; outras vezes, mergulhados em desgosto, levam o desânimo e a apatia às últimas consequências. Canônicos e novíssimos, os poetas abordam questões assombrosamente atuais e contundentes, mesmo quando parecem tratar de um passado distante. Escreve Hilda Hilst: “Repensemos a tarefa de pensar o mundo”. Com poemas de Adelaide Ivánova, Alice Ruiz, Ana Cristina Cesar, Angélica Freitas, Armando Freitas Filho, Bruna Beber, Cacaso, Carlos Drummond de Andrade, Carolina Maria de Jesus, Chacal, Claudia Roquette-Pinto, Conceição Evaristo, Fabiano Calixto, Fabrício Corsaletti, Ferreira Gullar, Francisco Alvim, Hilda Hilst, Horácio Costa, João Cabral de Melo Neto, Jorge de Lima, José Paulo Paes, Laura Liuzzi, Ledusha, Mário de Andrade, Nicolas Behr, Oswald de Andrade, Paulo Leminski, Roberto Piva, Tarso de Melo, Torquato Neto, Vinicius de Moraes, Waly Salomão, Yasmin Nigri e Zuca Sardan.
“Repensemos a tarefa
de pensar o mundo”
(Hilda Hilst)
No livro ‘Que é a literatura?’, Sartre
aponta que um escritor engajado é um ser político capaz de mediar a produção
criativa e a realidade social, desse modo, dialogando com as mudanças sociais.
Ou seja, determinado sujeito decide ‘dizer (prosa) algo’ em um espaço de tempo
específico, tornando esse ‘dizer (prosa)’ histórico.
“(...) a função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e considerar-se inocente diante dele” (Sartre, pág. 21)
Em 50 poemas de revolta, vários autores,
Companhia das letras, nos deparamos com poemas de denúncia escritos em momentos
importantes da história do Brasil. São trinta e quatro poetas nacionais, do
modernismo a poesia marginal da década de 70, que discorrem sobre preconceito,
intolerância, racismo, machismo, desigualdade social, etc. Como na poesia Erro
de Português, do poeta modernista Oswald de Andrade (1890-1945), escrita em
1927 como dedicatória na capa do livro Primeiro caderno e publicado pela
primeira vez em 1945, no livro Poesias reunidas.
erro de português
Quando
o português chegou
Debaixo
de uma bruta chuva
Vestiu
o índio
Que
pena!
Fosse
uma manhã de sol
O
índio tinha despido
O
português.
(Oswald
de Andrade)
Em referência à carta de Caminha no período
da invasão do Brasil pelos Portugueses, Oswald de Andrade utiliza da ironia
para frisar a imposição da cultura eurocêntrica à cultura do indígena. Em
Literato Cantabile, poesia de Torquarto Neto (1944-72), a angústia existencial
bem como o momento político do país (Ditadura Militar), o eu lírico não está
acima dos acontecimentos políticos e culturais, ele atravessa esse instante
como subversivo e marginal “literatos foram todos para o hospício”.
literato cantabile
Agora
não se fala mais
toda
palavra guarda uma cilada
e
qualquer gesto é o fim
do
seu início;
agora
não se fala nada
e
tudo é transparente em cada forma
qualquer
palavra é um gesto
e
em sua orla
os
pássaros de sempre cantam assim,
do
precipício:
a
guerra acabou
quem
perdeu agradeça
a
quem ganhou.
não
se fala. não é permitido
mudar
de ideia. é proibido.
não
se permite nunca mais olhares
tensões
de cismas crises e outros tempos
está
vetado qualquer movimento
do
corpo ou onde que alhures.
toda
palavra envolve o precipício
e
os literatos foram todos para o hospício.
e
não se sabe nunca mais do fim. agora o nunca.
agora
não se fala nada, sim. fim, a guerra
acabou
e
quem perdeu agradeça a quem ganhou.
Agora
não se fala nada
e
tudo é transparente em cada forma
qualquer
palavra é um gesto
e
em sua orla
os
pássaros de sempre cantam
nos
hospícios.
Você
não tem que me dizer
O
número do mundo deste mundo
Não
tem que me mostrar
A
outra face
Face
ao fim de tudo
Só
tem que me dizer
O
nome da república ao fundo
O
sim do fim
Do
fim de tudo
E
o tem do tempo vindo;
Não
tem que me mostrar
A
outra mesma face ao outro mundo
(não
se fala. não é permitido:
mudar
de ideia. É proibido
não
se permite nunca mais olhares
tensões
de cismas crises e outros tempos
está
vetado qualquer movimento.
(Torquarto
Neto)
Para além dos malditos marginais, o leitor
adentra na poesia-memória de Conceição Evaristo (1946), escritora e poeta
negra, narrando a história da mulher negra no Brasil, falando sobre ela, a
autora, e outras que fazem parte dela como memória celular e histórica, seu
eu-coletivo, a consciência de ser mulher e negra.
vozes-mulheres
A
voz de minha bisavó
ecoou
criança
nos
porões do navio.
ecoou
lamentos
de
uma infância perdida.
A
voz de minha avó
ecoou
obediência
aos
brancos-donos de tudo.
A
voz de minha mãe
ecoou
baixinho revolta
no
fundo das cozinhas alheias
debaixo
das trouxas
roupagens
sujas dos brancos
pelo
caminho empoeirado
rumo
à favela
A
minha voz ainda
ecoa
versos perplexos
com
rimas de sangue
e
fome.
A
voz de minha filha
recolhe
todas as nossas vozes
recolhe
em si
as
vozes mudas caladas
engasgadas
nas gargantas.
A
voz de minha filha
recolhe
em si
a
fala e o ato.
O
ontem – o hoje – o agora.
Na
voz de minha filha
se
fará ouvir a ressonância
O
eco da vida-liberdade.
(Conceição
Evaristo)
50 Poemas de Revolta tem muito o que
dizer e explorar, tanto pelo momento em que os poemas foram escritos e
publicados quanto pelo caráter atemporal. Autores como Adelaide Ivánova,
Alice Ruiz, Ana Cristina Cesar, Angélica Freitas, Armando Freitas Filho, Bruna
Beber, Cacaso, Carlos Drummond de Andrade, Carolina Maria de Jesus, Hilda
Hilst, Chacal, etc., tão diferentes e unidos pela revolta, historicamente desobedientes
quando, por meio da prosa, se mostram engajados em seu meio social e rompem com
a ideia daquilo que deve ser negado, daquilo que deve ficar na alienação.
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